terça-feira

Mãos

Acordou meio zonza naquele dia, sabia o que a aguardava. Ligou o rádio-relógio ao lado da cama e cambaleante entrou no banho, largando suas roupas pelo caminho. A água caía gelada, como ela gostava, a fazia despertar.

Escolheu o melhor vestido, florido, que combinava com a cor do céu. Mecanicamente pegou a bolsa e trancou a porta.

Caminhou pelas ruas com um balanço particular, sentia que a cada passada seu corpo tremia e transpirava nervosismo. Subiu correndo no ônibus e não notou os olhares que despertou nos passageiros.

Era assim todo mês, há mais de 3 anos e ainda sentia a mesma perturbação da primeira vez. Consultava em um papel velho o endereço, sabia de cor, mas precisava ter certeza de que era real.

Conheceram-se no circular, linha que ligava uma parte à outra da cidade. Ele, sério em sua roupa branca amassada, sorriu quando ela sentou ao seu lado.

Após algumas paradas ele comentou da chuva fina que caía, em resposta ela balbuciou qualquer palavra e então viu. Aquelas mãos enormes e firmes. Ficou completamente abobalhada pelas linhas fortes e tamanho quase descomunal do conjunto, timidamente repousadas no colo do seu locutor.

Observou calmamente. Precisava delas, senti-las em seu corpo. Tomada por uma vontade inabalável olhou para ele, disposta a pedir, suplicar, pelo seu toque. Mal se virou e tentou abrir a boca, ele levantou e disse rapidamente: Minha parada chegou, tchau.

Ela ficou sentada por horas, boba, absorta ao pensar naquelas mãos. Passou do ponto e teve que voltar a pé por alguns quilómetros.

Nos dias seguintes, aquela lembrança a perturbava incansavelmente. Seu marido não conseguia entender porque ela andava tão indiferente. Parecia em outro mundo. Ela sorria amarelo, com os olhos virados pra cima, seu pensamento vagava nas palmas daquelas mãos.

Procurou por elas, quantas vezes, ao entregar-se no leito matrimonial, e secretamente, ao rodar por horas a fio naquela linha “circular”. Passaram-se meses nessa procura, ela já desacreditava a sua memória, e tentava se contentar com a triste realidade.

E olhando pela primeira vez para fora, pela janela do ônibus, as viu passar. Piscou os olhos e confirmou ao reconhecer as mesmas vestes brancas e amassadas.

Num salto desceu na próxima parada.

Quando localizou-as novamente entrando por uma porta, parou e quase chorou, de alegria e prazer, ao ler o destino, em letras garrafais: CLÍNICA DE MASSAGENS ESTÉTICAS.

Seu marido continuou sem entender a nova mudança repentina em seu humor, mas gostou e não questionou o seu pedido de R$ 40,00 reais mensais para um tratamento de beleza que começou a fazer há alguns anos.

Ingenuamente acredita estar assim “agradando” sua querida esposa, tão vaidosa.

Ela ainda sorri amarelo, vira os olhos e diz-se a mulher mais feliz do mundo.
No fundo conta as horas, os dias e aguarda, mensalmente, mais um encontro.

Com elas.

Nenhum comentário: