sexta-feira

INVERNÁCULO (3)

(Paulo Leminski)


Esta língua não é minha,
Qualquer um percebe.
Quando o sentido caminha,
A palavra permanece.
Quem sabe mal digo mentiras,
Vai ver que só minto verdades.
Assim me falo, eu, mínima,
quem sabe, eu sinto, mal sabe.
Esta não é minha língua.
A língua que eu falo trava
uma canção longíngua,
a voz, além, nem palavra.
O dialeto que se usa
à margem esquerda da frase,
eis a fala que me lusa,
eu, meio, eu dentro, eu, quase.

Já disse de nós.
Já disse de mim.
Já disse do mundo.
Já disse agora,
Eu que já disse nunca.
Todo mundo sabe,
eu já disse muito.

Tenho a impressão
que já disse tudo.
E tudo já foi tão de repente.



desastre de uma idéia
só o durante dura
aquilo que o dia adianta adia

estranhas formas assume a vida
quando eu como tudo que me convida
e coisas alguma me sacia

formas estranhas assume a fome
quando o dia é desordem,
e meu sonho dorme

fome da china fome da índia
fome que ainda não tomou cor
essa fúria que quer
seja lá o que flor

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