sábado

Have you lost your mind?

Certo dia ele acordou e não se encontrou.
Olhou dentro do armário, abriu todas as gavetas e nada.
Vasculhou os bolsos da calça, do paletó, em cima da cômoda, embaixo da cama e nenhum sinal.
Tentou lembrar a última vez que tinha se visto. Não recordava, tinha uma memória de peixe, costumava repetir.
Não deu grande importância ao ocorrido e tranquilamente foi tomar um banho e tocar seu dia. Assim o fez, porém quando abriu a porta de casa se deu conta que não sabia para onde ir. Simplesmente não sabia o que fazer.
Estava perdido e começou a ficar preocupado com esse sumiço repentino.
O que poderia ter acontecido que fizesse com que ele se perdesse, perguntou a si mesmo. Não houve réplica, afinal não havia ninguém lá para responder.
Resolveu sair assim mesmo. Poderia ter se perdido ao voltar para casa no dia anterior e com certeza se encontraria pelo caminho.
Pensando sobre esta hipótese, num estalo achou a resposta: Ele não extraviou a si mesmo. Este vazio que sentia era porque havia morrido. Só podia ser isso, estava morto!
Extasiado com essa nova possibilidade entrou num bar e logo passou a mão na bunda da garçonete, com a liberdade de quem se crê um fantasma. Ficou meio atordoado com o grande tapa que acertou em cheio sua cara e não soube bem o que responder quando ela gritou: "Vê se te enxerga"! Saiu dali escorraçado pelo dono do lugar.
Sem desanimar e, mais orgulhoso do que envergonhado pelo ato desinibido, ganhou novo ânimo quando lembrou da mandinga de São Longuinho. Tinha certeza que o santo não lhe faltaria e o ajudaria a dar consigo.
Pulando como um coelho e falando sozinho, esmoreceu desanimado num banco, na praça do bairro. Os transeuntes eram muitos, naquele cotidiano urbano. Ninguém o percebia, nem ele mesmo.
Ali, entre o vai e vem da cidade, tomou consciência da sua ruína e chorou.
Choro desamparado de alma sem propósito, de criança sem brinquedo, de ego sem id.
Mas num soluço, percebeu alguém que o observava de longe.
Levantou e caminhou em direção daquela figura que o olhava fixamente.
A alguns passos de distância não acreditou quando percebeu quem era.
Frente-a-frente consigo mesmo, achou que aquilo era apenas um efeito colateral da bebedeira do dia anterior. Não se lembrava exatamente do passado, recente ou longínquo, mas achou aquela uma desculpa plausível depois de encarar aquele ser e reconhecer-se nele.
Nem piscou, virou de costas e caminhou lentamente, sem olhar pra trás.
No caminho desfez-se das roupas como quem se livra de um fardo.
Mudou de vida, comprou livros de auto-ajuda, arrumou um carro importante e uma mulher gostosa. Entregou-se ao prazeres da vida fútil.
Ainda evita a praça local, com receio de rever-se naquela figura.
Com certeza ela ainda guarda o mesmo sorriso sarcástico, que ele reconheceu naquele dia fatídico e que o assombraria por toda vida.

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