segunda-feira

Lorena

Seu relacionamento não ia nada bem, ela sabia disso. Empolgada com propaganda barata da revista feminina, comprou lingerie nova, fez caras e bocas na hora de dormir. Ele se contentou em perguntar se ela estava passando mal. Ela assentiu e correu para o banheiro, frustrada com a tentativa inútil de recuperar algo perdido. Quando retornou ao quarto ele já roncava, e ela ruminava.

Era a rotina, tinha certeza. Destruiu seu casamento. Todo dia era igual, ele acordava e ligava a TV, ouvia o telejornal enquanto se arrumava. No caminho da porta, comia o pedaço de sanduíche que pegava da mesa de café. Nunca sentava, sempre apressado em saber das notícias e ir embora. Porta afora ele se voltava rapidamente, e dizia: Tô indo, beijo!

Mal se falavam durante o dia, ele odiava ser interrompido no trabalho. "Fala rápido, tá, tá bom!" Não ouvia e tampouco queria participar. Ela se acostumou a não ligar.

Chegava tarde da noite, sempre exausto. Procurava qualquer coisa de comer na geladeira, e, quando se animava, batia uma punheta sozinho, tomava um banho e ia dormir. Ela reparava na leveza de seu sono nesses dias. Não se incomodava com o ato. Mas sentia saudades.

Pensou que tinha outra, chegou a contratar detetive que, após explorar seu desespero, apenas disse: Minha senhora, seu marido é um santo! Ela queria concordar, havia de concordar, afinal ele não teimava em financiar seus excessos. A conta do cartão de crédito, a mudança na decoração da casa, o personal trainner, os tratamentos de beleza, a terapia alternativa, só não queria ouvir falar em filho. Pra que mais uma criança nesse mundo infeliz ?

No dia que pintou os cabelos de dourado, percebeu um resquício de interesse no olhar que ele a lançou quando chegou em casa. Nenhum outro homem a olhava assim, nenhum de seus inúmeros amantes lhe dava tanto prazer quanto aquela ponta de desejo que viu despertar em seu marido.

Calculadamente fingiu descaso e despiu-se calmamente a caminho da ducha enquanto ele a seguia com os olhos. No banho ela deixou a água correr e levar todo vazio que sentia. Passou cremes perfumados e colocou a sua camisola mais sensual. Se deliciava com a expectativa do acerto, do prêmio ao final de tanto esforço.

Deitou na cama e pegou um livro qualquer em pose displicente. Ele, que observava todo o ritual, riu sarcasticamente. Tomou a obra de sua mão, virou-a para cima e disse:
_ Ficou loira mesmo, hein?

E foi o suficiente.

Dias depois, tiveram que invadir o apartamento, por conta do mau cheiro que incomodava os vizinhos. Encontraram o corpo dele decepado, sem olhos nem pau.

Dela, nem sinal.

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